sábado, 1 de setembro de 2007

Destino

O sol já ia longe no horizonte, trazendo a conhecida coloração avermelhada aos céus daquela terra distante. As nuvens que rodeavam o astro maior do Universo formavam desenhos muitas vezes incomuns aos olhos humanos. Uma pequena aldeia se escondia do mundo bem ali, naquela terra onde as crianças podiam correr e brincar sem o menor perigo. A aldeia era um tanto minúscula, chamava-se Dovernhein, tinha apenas umas vinte casas espalhadas numa área de cerca de quatro quilômetros quadrados, tinha apenas um celeiro, um armazém e um ferreiro, única opção para as famílias fazerem suas costumeiras compras semanais. Tinha também umas duas fazendas onde se produzia os mantimentos necessários á sobrevivência da população. Ao sul da aldeia, linda e imensa uma cachoeira fazia-se notar a quem se aproximava. Suas águas, exuberantes e frias, faziam a alegria da população durante o quente verão daquele lugar. À leste e a oeste havia apenas florestas e mais florestas, e, ao norte um descomunal relvado ocupava o caminho até as montanhas. E, no centro do relvado, havia uma rocha do tamanho de uma casa, que o povo conhecia como Dephis, a rainha solitária. E em cima desta rocha, Julian, um rapaz de 17 anos, observava o pôr-do-sol. Descansando de um exaustivo dia de caçada, Julian deixava os pensamentos vagarem na sua cabeça se o menor aviso. Pensava no seu pai, trabalhando no armazém; pensava na sua irmã pequena aos cuidados da velha Matilda, uma senhora já com seus sessenta anos e que conhecia sua família há anos. Pensava na sua mãe, morta há uns cinco anos pelas mãos de ladrões, que na época invadiram sua casa. Sempre que pensava nela, ele sentia um aperto no coração. Ela não podia ter me deixado tão cedo, ele sempre dizia a si mesmo.

Hoje fora uma boa caçada, mas já tivera melhores. Abatera um veado apenas. Sempre em suas caçadas, o garoto levava consigo um belo arco de carvalho, sua espada curta, forjada pelo ferreiro local e uma fáretra com algumas flechas, necessárias para uma presa mais afastada. Não era um exímio arqueiro, mas um alvo a 50 metros não escapava ileso. Não sou excepcionalmente bom, mas sou suficientemente bom, ele sempre pensava nisso ao atirar suas setas. Depois de quase duas horas observando o horizonte, quando as primeiras estrelas coroavam a lua, decidiu-se ir para casa. Desceu da pedra, apanhou arco, embainhou espada e aljava, botou o animal abatido nos ombros e partiu para casa. Seu lar ficava a uns dois quilômetros da pedra, era uma boa caminhada. Sua caminhada em direção a casa levou-o a andar pela orla da floresta a leste da aldeia. A floresta era muito escura e densa, e transmitia um ar hostil a quem passava por perto. Depois de algum tempo que já caminhava pela orla da floresta, Julian ouviu um ruído incomum vindo da mesma. Ele parou forçando os olhos para enxergar a floresta através da escuridão. Seguiu decidido que o barulho viera de sua imaginação. Mas, segundos depois, o barulho repetiu-se, desta vez mais intenso. O ruído agora lembrava um serra metálica serrando metal. Largando o veado no chão e desembainhando sua espada, seguiu em direção ao barulho, ciente da escuridão que o cercava. Caminhou silenciosa e atentamente até tocar a primeira arvore. Penetrou na floresta. Lá dentro a claridade era extremamente inexistente, se não fosse a lua, seria total, obrigando-o a forçar ainda mais sua visão para poder distinguir alguma coisa do escuro. Um brilho prateado raiou à sua esquerda, tomando-lhe a atenção. Observou alguns instantes tentando definir o brilho, mas fracassou também. Por fim, após quase meia hora de procura não achou nada que pudesse ter produzido semelhante barulho. Julian ia se se virara para voltar ao relvado, quando um pesado objeto acertou-lhe a têmpora direita fazendo-o tombar com uma dor lancinante na cabeça. Um líquido quente escorria pelo lado do seu rosto deixando-o exasperado. Desnorteado pela violenta pancada que recebera, tentou pôr-se de pé para poder lutar, mas nem levantara a espada para o revide, uma outra pancada nas pernas o fez cair novamente. O sangue deixava seu corpo em razoável velocidade, deixando-o sem forças suficientes para realizar um movimento qualquer. Foi perdendo a consciência lentamente, e a ultima coisa que conseguiu perceber antes de desmaiar por completo, era que estava sendo carregado.

O acordar

A dor em sua cabeça parecia não ter fim. Julian descobriu que a dor vinha quase que totalmente do lado direto de sua cabeça. Os braços e pernas também pareciam ter sofrido vários abusos. Finalmente acordara depois de ter dormido o que pareceram dias. Onde estou? O que será que aconteceu comigo? Lentamente as lembranças iam se formando em sua cabeça fazendo-o recordar o que acontecera. A Quando chegou ao momento em que lutava para derrotar os inimigos na escuridão, levantou-se de sobressalto. A luz forte quase o cegara instantaneamente de tão forte. Cobriu os olhos com as costas da mão esquerda enquanto se esforçava para se acostumar com a escuridão. O suor lambia-lhe as têmporas, nervoso e assustado agora que percebia a extensão do ocorrido. Alguém me seqüestrou! Pensou de imediato. Rapidamente olhou em volta para tentar descobrir onde estava. A respiração falhou. Viu-se numa sala pequena e circular toda branca sem janelas, e com apenas uma porta sem maçaneta com aspecto metálico que provavelmente dava para um outro aposento. Várias mesas estavam dispostas de forma que ficassem como um balcão ao redor da sala, colado à parede circular. As mesas estavam todas cobertas com tecidos extremamente brancos de aspecto limpo, e, por cima dos tecidos, uma grande variedade de pequenas ferramentas de metal cromado, incluindo uma espécie de faca com várias pontas e algo que se parecia com um bisturi médico. E numa mesa mais afastada, bem ao fundo da sala, estavam seu arco, espada e fáretra. A visão de seu armamento deixou-o mais tranqüilo. Pulou da cama, e, assim que pôs os pés no chão, percebeu que estava praticamente nu, se não fosse uma rudimentar roupa de baixo que usava no momento. Agradeceu por não terem amarrado ele à cama, pois se o tivessem feito, estaria agora extremamente desesperado. Chegou até a porta metálica e pôs-se a descobrir algum jeito de abri-la. Não tendo encontrado nenhum modo satisfatório, pôs-se a chutar, socar e a porta para que alguém do outro lado pudesse ouvir seu pedido de socorro. Passaram-se longos minutos, o que lhe pareceram horas, até que decidiu que gritar e chutar a porta não ia ajudar na sua vã tentativa de fugir daquele quarto estranho. Apoiou as costas contra a porta arquejando violentamente na busca de mais ar para seus pulmões. Decidiu então voltar para a sua cama e esperar para ver se alguém ia aparecer pela porta. Assim que deitou a cabeça no colchão macio, pode sentir uma coisa que até agora passara despercebida: fome. Seu estômago roncou clamando por comida, e a única coisa que Julian pode fazer foi colocar a mão sobre a barriga, como se tentasse acalmar a fúria do seu amigo interior.

Já cochilava tranquilamente, quando um som batidas na porta o fez acordar. Sentou-se tenso na cama esperando pelo que poderia vir a seguir. Quando menos esperava, a porta foi sendo sugada pela parede lentamente.

Os seres estranhos

A visão a seguir quase o fez cair no chão de estupefato. Uma luz clara, mais clara do que a luz que estava em seu aposento, emanou da porta assim que ela se abriu. No momento em que se perguntava se deveria atravessar ou não o portal, umas silhuetas altas apareceram do outro lado do portal ocultando a luz que vinha da outra sala. Uma por uma as figuras entraram na sala. A cada uma que entrava, Julian se afastava mais para o fundo do quarto. No total, cinco seres irromperam no quarto. O primeiro pensamento que ele teve sobre as criaturas era que nunca ele tinha visto ou ouvido falar em sua vida. Eram seres altos, quase dois metros e meio, os braços largos e finos, assim como os dedos das mãos e dos pés. Eram tão altos quanto magros, parecendo serem feitos apenas por ossos. Eles tinham uma coloração azul atípica dos seres normais. Era um azul turquesa claro, e a pele era tão fina que era possível distinguir cada um dos seus órgãos internos. A cabeça e o rosto deles eram extremamente semelhantes, não tinham pêlos e todos eles com olhos pequenos incrustados na fenda orbicular. Seus narizes eram nada mais do que duas fendas postas no centro do rosto e a boca, até aquele momento, Julian não conseguira enxergar. Assim que entraram na sala, os seres puseram sua atenção em Julian, e, após alguns minutos, passaram a dialogar entre si num idioma totalmente desconexo. O que se podia perceber era que, enquanto falavam, das criaturas emergia uma voz que Julian reconheceu ser aquela que havia chamado a sua atenção na orla da floresta de Dovernhein. Aproveitando-se da distração dos seres azuis, Julian se aproximou da mesa onde jazia seu equipamento de caça. Os seres acompanharam-no com os olhos enquanto ele armava uma flecha. O tiro foi certeiro: a seta atravessou o bicho da frente bem entre os olhos. Agora era torcer para ele morrer. Um líquido de coloração indefinida escorreu pelo rosto do bicho acertado. Um segundo depois ele tombava sem vida no chão. Os outros seres, tomados pela cólera avançaram para Julian. Vendo que não adiantaria mais usar o arco, jogou-o no chão, pegou sua espada e a rodou no ar correndo em direção aos inimigos. Conseguiu ver vários braços turquesa-claros caindo no chão. Num momento de desatenção enquanto olhava para os braços caídos. Um chute acertou-lhe o estômago, fazendo-o cair no chão. Caído, viu um deles se aproximar, e sem nem mesmo pensar cortou-o na altura dos joelhos. Julian se levantou e cravou a espada no meio do peito do bicho caído. Olhou para os outros três restantes, cheio de cólera. Partiu para cima deles sem medir sua força, movido apenas pela vontade de sair dali. Passados uns vinte minutos de batalha incessante, Julian conseguiu manchar todo o quarto, ora branco, de um sangue de cor escura indefinida. Arfando devido ao esforço que havia feito, largou a espada no chão, provocando um estalido agudo. Exausto, caminhou em direção à porta e cruzou-a. A nova sala era bem mais espaçosa que o quarto que habitara anteriormente. Observara várias cadeiras em frente a telas de vidros em que apareciam várias imagens que Julian considerou serem letras. Olhou mais em volta. Parecia que ele tinha acabado com todas aquelas criaturas horrendas e azuis. Janelas e Portas! E pela primeira vez descobriu uma porta pela qual talvez pudesse sair e janelas naquele lugar. Andando lentamente em direção às janelas, apoiou as mãos contra o vidro frio. Olhou através delas. O que via era outra coisa inédita em sua vida. Uma imensidão negra pontilhada por pontos brilhantes que Julian jurou serem estrelas. E, bem no meio da imensidão negra, uma esfera azul gigantesca que ele nunca antes tinha visto, estava flutuando bem do outro lado do vidro. E, por um momento, ele se sentiu sozinho.