sábado, 26 de março de 2011

Nossa Vitória

        Luzes fortes, o coração parece uma britadeira de tão forte que bombeia o sangue que quase falta em minhas pernas. Uma multidão de lanterninhas piscantes à minha frente, todas pertencentes ao que parecem ser umas 300 pessoas que estão ali, se remexendo e esperando. Sentadas, pacientes, indecisas. Ao meu lado, quatro grandes caras, que fizeram o trabalho dos últimos 3 meses valer a pena. Sempre ao meu lado esquerdo, está meu irmão. Não preciso dizer quem é, não é mesmo?
        Todos, em um silêncio quase monastérico de concentração, esperam Alexandre encaixar a última peça da bateria, e calmamente nos anunciar que dará as quatro tradicionais toques de baquetas. Nos cumprimentamos ali no palco e Alexandre dá o sinal. Era hora do show...
        Desde cedo aquele dia, o dia do Festival de Além Paraíba, eu andava meio tenso. Não parecia preparado, tinha medo de esquecer a música toda. Medo de jogar todos os nossos raros ensaios no lixo se cometesse algum erro, por menor que fosse. Acordei cedo e fiquei repassando a música que tocaríamos, Futuro Presente, incessamentemente por quase 3 horas. Minha ex-namorada já parecia estar de saco cheio de ouvir aquilo. Ela não havia ouvido ainda ainda a versão completa, com todos os instrumentos. Apenas nós conhecíamos a pauleira que a música tinha virado, depois de 5 anos apenas no violão e baixo. Ainda faltava muito para a hora do Festival e mesmo faltava muito para a passagem de som começar...
        Os testes de som estavam todos marcados para às 17h. Muito tarde, se você pensar bem e considerando que o início do evento estava definido para as 20h. Logo, tenha certeza de estar certo quando pensar que houve um atrasado considerável em tudo. Mas nada que afastasse o grandioso público, que veio com o coração aberto prestigiar a todos os participantes.
        Um probleminha nos atingiu no dia anterior. O que era? Bancos! Nós iríamos fazer um acústico e não existem acústicos sem o grandes bancos onde os músicos acomodam suas tão preciosas nádegas! Mas deu tudo certo. Precisávamos de 4 e conseguimos 2 e a produção do evento os outros dois. Ufa. Menos um obstáculo.
        A passagem de som foi muito legal, e sempre é. Aquele clima descontraído, sem a tensão do momento e podemos errar à vontade. Meu violão, por exemplo começou a fazer um zumbido esquisito e alto, coisa que se fosse na apresentação, iria acabar conosco. Graças a Deus só aconteceu naquela única vez!
        Mas se falarmos de som mesmo, o Festival foi de um nível altíssimo. Eu fiquei espantado com o tremendo profissionalismo de todos os artistas envolvidos, era magnífico. Sem contar que aquele era o primeiro Festival da Canção realizado na cidade depois de 40 anos. Ao saber deste detalhe, tudo ganhou uma aura mais mágica. Mais importante. E mais focados na vitória, nos concentramos.
        Éramos a quarta banda. Não daria tempo nem de respirar o início da competição e na segunda música já corremos para o camarim para nos preparar. Tenso, minha gente. Eu tremia tanto que mal consegui abrir a capa do meu violão e segurar meu cabo e pedaleira sem quase deixá-los cair. Rezei mentalmente ali naquele bonito espaço cheio de espelhos e... o terceiro concorrente deixou o palco! Corre!
        Pedaleira no chão e cabo no violão. Sentado. Meus olhos percorreram a platéia. Uau. Gente à beça. Acho que só toquei para tanta gente no dia da formatura no terceiro ano. Não via a hora daquilo começar, e algo intenso ia tomando conta de mim. Nada mais importava, nada mais merecia minha atenção. Nada mais merecia sequer existir, perante o poder que a música exerce nas pessoas. E foi assim que eu me senti, durante os quase 5 minutos de Futuro Presente. Em outro mundo. Em outro corpo. Uma alma feita de notas músicais. É assim que para todo o sempre eu gostaria de viver. Mas isso é só um sonho...