sexta-feira, 11 de novembro de 2011

A Verdadeira História do Meu Braço Esquerdo

Introdução

Recentemente, coisa de mais ou menos um mês atrás - contando data em que postei este texto, obviamente), sofri um acidente que me deixou de molho por alguns dias. O certo seria dizer “algumas semanas”, porém não segui a recomendação médica com o rigor necessário. Como introdução, digo que foi divertido por tudo aquilo que passei e aviso que não peguei o depoimento de todos os envolvidos para reconstruir a história em sua perfeição. É que estava parcialmente bêbado e não me recordo de algumas passagens-chave. Sabem como é, né.

Parte I – A Festa

Chegamos a São João Del Rei na quarta à noite para o evento que se iniciaria na manhã do dia seguinte, o Encontro Mineiro de Estatística. Uma coisa era certa: eu mal pisaria em qualquer coisa relativa a ele. Tanto que só estive presente na abertura e na finalização. A abertura foi bem interessante, mas não lembro muito bem, e ainda saí no meio dela. Mas juro que foi interessante. A idéia no geral era aproveitar o turismo em uma cidade histórica como aquela e a mudança de ares que um passeio divertido na metade final de um período tenso da faculdade pode proporcionar.

A coisa é que, o evento durava dois dias, quinta-feira e sexta-feira, tendo na quinta à noite uma festa/confraternização/coquetel para relaxar (ainda mais, no meu caso particular). Como não queríamos chegar muito tarde, Vanessa e Raquel Morani e eu, fomos de taxi. É lógico (a) que o motorista foi pelo caminho mais longo (b) que o cavalheiro aqui pagou a viagem (c) quando chegamos o salão estava vazio ainda. Dito isso, a festa começa.

Parte II – Música Ruim e Muita Cerveja
Como cheguei muito cedo, não bebi nada até que Jarbas Hagen, Isabela Queiroz e Marcos Alves tivessem aparecido. Como Raquel e Vanessa não são chegadas em alcoólicos, eu não queria pagar de alcoólatra, bebendo sozinho. E quando meus amigos loucos apareceram, meu bendito copo não parou vazio em momento algum.

O DJ escolheu músicas muito, muito boas para tocar. Pena que as versões eram samba/lounge ou sei-lá-em-qual-categoria-posso-clássificá-las-sem-parecer-muito-preconceituoso. Só de lembrar Billie Jean nessa versão me dá calafrios intensos. A verdade é que não prestava muita atenção na parte sonora e me divertia bastante com meus companheiros de mesa, quando as pessoas ainda estavam sentadas comportadamente.

Os garçons não perdoavam. Deixavam uma garrafa de cerveja na nossa mesa. Assim. Sem dó. E uma após outra, rapidamente, elas esvaziavam. Sinceramente, fiquei mais bêbado que o Marcos, que tomou quatro cachaças.

Para meu descontentamento, a pista de dança começou a encher de (a) pessoas que pensavam que sabiam dançar (b) de pessoas que sabiam que não sabiam dançar (c) de pessoas muito absurdamente loucas. Contra a minha vontade tive que levantar, pois não queria parecer Forever Alone. Eu me enquadro nos grupos “a”, “b” e “c”, nesta e não necessariamente nessa ordem. Portanto vamos pular esta parte. Foi aí, quando todo mundo estava de pé, que as músicas originais saíram do Pen-Drive do DJ. Lembro-me muito bem de YMCA, do meu querido grupo Village People, música que eu adoro. E não venha duvidar de minha masculinidade por isso.

Naturalmente, as pessoas dos grupos “a”, “b” e “c”, dançam com copos de bebida nas mãos (menos eu), o que, invariavelmente, pode ocasionar líquidos que pulam e deixam o chão escorregadio se nele estiverem. Não me recordo com muita precisão se foi em Another Brick on The Wall ou em uma música dos Ramones que o mosh teve seu início. O que eu sei é que exatamente no meio daquilo e, precisamente no chão molhado, pus meus pés. Coisa que me levou direto ao chão, sem nem pensar a respeito e nem chegar a um consenso sobre meus sentimentos quanto a cair em meio a algumas pessoas (grande parte já tinha partido).

Dei meu braço para meu amigo Marcos me ajudar a levantar e levantei-me até rindo, certo de que nada tinha acontecido de ruim. Apenas uma queda, oras. E foi aí que as coisas legais começaram a acontecer

Parte III – Fudeu Pra Caralho

Repetindo diversas vezes a sentença acima, fui me sentar sentindo as dores estranhas que começaram em meu braço. Elas se localizavam mais ou menos entre o cotovelo e o ombro. Sabia que nada estava quebrado. Possuo experiência nessa área, graças à minha amiga Marianna Zanarino, que, na 5ª série me deu uma rasteira e os dois ossos do braço graciosamente partidos. Ela me deu um presente, pois naquela época eu tinha certa inveja de quem usava gesso.

Meu braço doía. Raquel ficou muito preocupada e então apareceu não sei muito bem como (a) Roberto (b) um carro (c) uma bolsa de gelo. O carro era do Iago, mas Foi Luís quem o dirigiu, enquanto Vítor sabia para onde deveríamos ir, a UPA (Unidade de Pronto-Atendimento). Raquel foi comigo e quando chegamos à Unidade tive que me sentar para esperar que Ninguém fosse atendido e Ninguém fosse embora para que Alguém dirigisse atenção ao pobre rapaz já contorcido de dor a essa hora.

De modo estroboscópico (?) tive que dar meus dados à pessoa que atendia no local. Ainda bem que estava com minha carteira e documentos, porque nem sóbrio iria me lembrar daqueles números. Minha ficha constava até a minha religião, mas não me lembro de ter dito se era católico ou qualquer outra coisa. Tenho a ligeira impressão de que se tivesse respondido “ateu”, eles teriam me mandado de volta para o hotel naquele momento. A certa altura, me perguntaram se eu tinha diabetes. Aí já sabe, né. Toma glicose na veia.

Mas como era minha primeira vez nessa situação, achei a pergunta parcial, se não, completamente idiota e sem sentido. À essa altura, meu braço estava imóvel por conta própria. Doía só de pensar em pensar na possibilidade de talvez chegar a um consenso sobre utilizá-lo ou provavelmente talvez não utilizá-lo. Foi mais ou menos nesse momento que Vanessa Morani chegou, não sei como.

Acredito que o pessoal do pronto-socorro teve uma idéia genial quando decidiram me levar para fazer uns Raios-X do meu ombro. De verdade. Poucos teriam essa sagacidade. Na verdade, me mandaram entrar em um corredor, sem ninguém para me levar a qualquer lugar e sem me dizer para onde deveria me encaminhar. Fiquei esperando uns cinco minutos até decidir encontrar sozinho o lugar, que era a sala de Raios-X. Ao todo foram quatro radiografias, que exigiram de toda a minha arte circense de dobrar o corpo e o braço ruim. Agradeço ao álcool por ainda percorrer minhas veias naquele momento, o que me tirou algumas pontadas de dor. De longe eu vi meus ossos na radiografia e pensei: “Vish”.

Momentos depois, fui levado por um negão vestido de branco para a parte de trás de um biombo e me mandou abaixar as calças. Ele iria me aplicar uma injeção na bunda para a dor bizonha que quase me desmaiava. E isso, muito provavelmente, ainda não era nem 1h da manhã.

As pessoas que estavam na UPA àquela hora eram bem legais e simpáticas. Menos as que trabalhavam lá. Enquanto sentado com um tubinho bonitinho me atravessando a veia, troquei idéias com um rapaz que chegou lá levado pela polícia. Não sabia se ficava com medo ou tentava dormir quando nos deixaram a sós. Lá nos fundos da Unidade. Na semi-claridade. A outra pessoa que estava lá, além de nós dois, até hoje não sei se estava viva. No fim, conversamos por mais ou menos meia hora, porque ele foi embora após esse tempo. Muito gentil da parte dele me desejar sorte com o braço quando se foi.

Quase dormi sentado lá. Eu ficaria o resto da noite sentado ali, se não tivesse que botar meu braço no lugar. No limiar entre a consciência e o cochilo, uma enfermeira me cutucou e deu um puxão na agulha no meu braço para tirar o tubinho. Ai. Desgraçada. Fui levado à outra salinha parcamente clareada, onde fizeram uma tentativa vã de pôr meu ombro no lugar. Ficou decidido que eu teria que ir para o hospital. Beleza. De tão bom que o atendimento estava, cheguei a pensar que teria que ir para o hospital a pé. E sem nem saber onde ele era. Eu nem sabia que São João Del Rei tinha hospital, para começar. Enfim, apareceu uma ambulância. Opa, minha primeira vez em uma ambulância também. Estava sendo uma noite agradavelmente fria de um dia que permaneceu em sua quase totalidade sob chuva.

Um problema das cidades históricas é que elas não possuem asfalto, porque até as pedras das ruas por onde os carros passam são históricas. E isso é muito, muito prejudicial à passageiros de ambulância. Eu, por exemplo, fui pulando igual a um cabrito na chuva em cima daquela maca. Meu braço parecia querer sair correndo e se esconder. Perdi até a noção de tempo afundado nesse sufoco, onde tentava de todos os modos impossíveis, não me debater muito. E a enfermeira/moça/maldita de branco que me acompanhou no passeio só ficava rindo. Doeu, tá.

Parte IV – O Hospital

Agora eu serei salvo. Deus é Pai.
Como sou ingênuo. Mais uma vez tive que passar pelos momentos de cadastro no hospital e esperar para ser levado para algum lugar. Sentei e esperei. Meu celular ainda estava no meu bolso e resolvi pegá-lo para ver que horas eram. Uma pena que a bateria estava fraca, pois seria muito bom jogar um joguinho qualquer para passar o tempo. Oh, eu não podia usar a outra mão. Nem jogar eu poderia. O mostrador me dava 2:30h da manhã de horas. Ainda.

Quando outra vez estava quase cochilando, uma moça veio me chamar e mandou-me segui-la. Não titubeando, me pus a seguir à risca o caminho que ela fazia pelos corredores. Chegamos a um elevador que lembrava as portas do Titanic. Uma coisa era certa: aquele hospital era antigo. Talvez ali fora o lugar onde o próprio Joaquim José da Silva Xavier, vulgo Tiradentes, fez estágio, enquanto cursava Odontologia em alguma Universidade próxima. Vai saber.

Subimos alguns andares e ela me depositou em um leito agradavelmente encostado à parede, em um quarto tão aconchegante quanto um hospital pode ser. Ali foi o pior momento de todos. A injeção anti-dor que recebi na bunda não fazia mais efeito algum e a dor era insuportável. Usei meu celular pelas últimas vezes que a bateria deixou e respondi algumas mensagens que havia recebido, de Marcos, Vanessa e Raquel. Minhas condições não deixaram as mensagens muito bem escritas. Ainda as tenho no celular para guardar as memórias daquele dia estupendo. Quando a enfermeira voltou, ela me disse que o médico iria me atender por volta das 8h da manhã. Ahn? Repete, por favor? 8h da manhã? Tá bom.

Se eu fosse traçar um gráfico representativo do nível de dor que me assolava naquele instante, seria um gráfico crescente. Já devia ser por volta das 6h, de acordo com o relógio na parede do quarto, quando não suportei mais. Descobri um botão pendurado acima da minha cabeça e nem pensei duas vezes para acioná-lo. Um alarme soou ao longe e fiquei seriamente preocupado de ter posto fogo em alguma coisa. Como era de se esperar, alguém atendeu ao chamado. A moça que veio averiguar a situação chegou minutos depois de o alarme ter parado e logo a avisei de que a dor estava forte demais para suportar. Ela disse que iria me levar para o médico. Hum, sério? Ele não viria só às 8h? Estranho. Mais uma vez segui uma enfermeira pelos corredores do hospital e entramos e outro elevador. Dessa vez fui entregue a uma outra mulher que, sem escrúpulos, porém educadamente, me mandou tirar a roupa e ficar nu.

Tem um certo tempo que mulher alguma me pede isso, então disse “não”, porque a moça era muito feia. Porém, ela logo me explicou que eu entraria na sala de operação, e lá dentro eu tinha que estar teoricamente esterilizado. Minhas roupas estavam provavelmente com mais bactérias que a parte de baixo de uma das pedras históricas em cima da qual a minha ambulância passara. Com a perspectiva de ficar pelado em um lugar estranho, disse à enfermeira para que me deixasse de cuecas pelo menos, porque seria melhor para todo mundo, afinal. Não queria ninguém rindo de mim em uma cidade estranha.

Consegui convencer a moça. Deixei minhas roupas, celular e carteira com ela e fui trajando uma simples cueca azul-bebê para mais uma maca (a terceira do dia/madrugada/noite). E mais uma vez fui furado, dessa vez na mão, para tomar mais remédio intravenoso para a dor que se seguiria. Não funcionaria, eu preferia fazer aquilo desacordado, porém seria um risco me anestesiar por uma luxação. A enfermeira que cuidou de mim a partir deste momento era um doce de pessoa. O seu nome é Doralice. (Ela foi tão simpática e legal que merece esta pequena homenagem em meu texto — grande coisa. Então, Doralice, muito obrigado!). Conversamos um pouco até chegar o médico.

A primeira coisa que eu percebi é que ele estava meio estressado. Isto não seria muito legal, considerando que ele teria que colocar meu braço no lugar à força. Fiquei muito tenso. Ainda mais depois que ele disse que precisava de mais uma pessoa para me segurar, além da minha amigona Doralice. Convocada a segunda pessoa, vi que era mais uma mulher. Lembro-me claramente quando Doralice se aproximou de mim e disse que seria natural e compreensível se eu gritasse. Então, decidi mostrar toda a minha coragem e nem sequer abri a boca para nem um mísero ai em todo o processo que seguiu.

Devidamente agarrado pelas duas mulheres (coisa que, em outra ocasião, eu teria adorado), o médico me pediu que entregasse o braço luxado a ele. O fiz com certo esforço. Ele pegou meu membro desfalecido e, apoiando seu pé direito na maca, quase me chutando nas costelas, parou uns momentos. O homem respirou e disse que o braço estaria no lugar quando ouvíssemos um estalo. Só aí, começou a puxar. E amiguinhos... Vou virar astrônomo depois de tantas estrelas que eu vi. Na primeira tentativa, o braço permaneceu fora do lugar, e com ela aprendi que não era bem “puxar” o que o médico fazia. Era puxar, girar e torcer. Ao mesmo tempo, um movimento simultâneamente simultâneo. Quando se encerrou a primeira tentativa, descobri como um jornal amassado se sentia. E lá vem a segunda tentativa... E nada. Só na terceira ouvimos o tal estalo. Muito alto por sinal. Foi incrível como a dor cessou quase que completamente após o braço voltar para o lugar. Respirei aliviado, o médico e a enfermeira desconhecida foram embora, mas me deixaram com uma tipóia muito vagabunda para proteger um pouco o braço. Doralice permaneceu comigo e trocamos mais algumas idéias antes que ela levasse a maca embora para o elevador. Agora poderia ir para casa. Hotel, melhor dizendo.

Voltei para o meu leito onde estava quando apertei a campainha do socorro. Tive que esperar meu documento de alta ficar pronto e meus pertences serem devolvidos antes de sair. Mas o mais legal ainda foi descer de maca pelo elevador para voltar ao quarto. Radical.

Parte V – A Volta Para Casa

Não demorou muito para o documento ficar pronto e recusei gentilmente a oferta de um enfermeiro gente-fina para um café da manhã no hospital. Me vesti e disse que queria ir embora e tentar dormir um pouco, pois estive acordado a noite toda e já eram 7:20h ou quase. Quando me despedi do porteiro do hospital, ou sei lá qual o nome o emprego tem, neguei mais uma vez gentilmente sua oferta de chamar uma taxi para mim e decidi tentar chegar ao hotel andando. O problema é que não sabia para que lado deveria ir e só descobri isso no meio do caminho. Por sorte trombei com um hotel e pedi que eles me chamassem um taxi. Eles deviam achar que eu sou louco.

O motorista do taxi era um cara legal. Ele perguntou o que me aconteceu e disse que caí em uma festa e destruí meu braço. Ele me zoou um pouco e depois trocamos nossas experiências em quedas. Foi divertido.
Mas mais divertido foi chegar ao quarto, encontrar as meninas quase acordando, tomar um banho e deitar para tirar um merecido cochilo. Ô dia.